quarta-feira, 18 de março de 2009

Perigos da Bioplastia

Segue na íntegra um parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo Sobre Bioplastia.
Boa Leitura!
Dr. Iversen Ferrante Boscoli

Consulta nº 127.836/05

Assunto: Comentários acerca do Parecer Consulta CREMESP 102.963/05, que versa sobre a utilização do Polimetilmetacrilato (PMMA).

Relator: Conselheiro Lavínio Nilton Camarim.

Ementa: Acreditamos que com essa nova exposição de motivos e casos relatados por complicações de injeção de PMMA em "anima nobile", devemos ter contribuído com subsídios para que os profissionais médicos, principalmente os atuantes na área da denominada "medicina estética", possam avaliar melhor a sua conduta e responsabilidade perante aos seus pacientes.

Atendendo a Consulta/questionamento do Dr. A.M.N., formulada a partir do Parecer Consulta CREMESP 102.963/05, elaborado por este Conselho, versando especificamente sobre o uso do Polimetilmetacrilato (PMMA) em Medicina, passamos a redigir em contrapartida argumentações às observações feitas áquela Consulta nos seus diferentes parágrafos à guisa de esclarecimentos, com as necessárias complementações.

Preliminarmente, queremos frizar que o Parecer Consulta mencionado acima, procurou sinteticamente informar, de modo geral, o emprego do polimetilmetacrilato em Medicina e as reações adversas relatadas em artigos científicos sobre a matéria, além de comunicações de vários médicos que causaram danos aos organismos dos pacientes, alguns até irreparáveis, com perdas de funções vitais.

A seguir, a fim de ordenar a resposta ao questionamento dos vários textos referenciados, iremos relacioná-los, numerá-los e complementá-los:

1º. "O polimetilmetacrilato é utilizado em Medicina com certa freqüência, como substância de preenchimento, há pelo menos 5 (cinco) anos".

Realmente, em nosso meio, foi nesse período que intensificou-se a utilização do PMMA na Medicina. Todavia, acrescente-se que o "Polymethyl-methacrylate" foi sintetizado pelo químico alemão O. Rohn, em 1902 e patenteado sob o nome de "Plexigas", em 1928. Em 1936, com o nome de "Paladon" foi usado em Odontologia no preparo de próteses, e em 1940, pela primeira vez em Medicina, como cobertura em defeito de calota craniana e em 1971, aplicado em Ortopedia, para o tratamento de osteomielite crônica, como carreador de antibiótico (gentamicina).

2º. "Trata-se de um polímero em solução aquosa, na proporção e diluição aproximada de 95% a 98%".

O polimetilmetacrilato pode ser apresentado em soluções aquosas ou gel de até 95% a 98%, porém, na prática, têm-se conhecimento que nas soluções a 2%, 10% e 30% é injetado nos planos intradérmico, subcutâneo e intramuscular, respectivamente, e também mais profundamente junto ao plano osseó. Citado por Lemperle Heneke, autores que mais estudaram os efeitos dessa substância no organismo, na realidade trata-se de produto sintético obtido da suspensão/polimerização e filtração, com partículas dimensionadas entre 30 a 40 ym (micras) de diâmetro, compostas de microesferas de superfície polida, sem a presença de resíduos ou poluentes. Tem sido empregue com certa freqüência associado com outras substâncias, como por exemplo num produto denominado comercialmente Artecoll, que é composto de PMMA e colágeno bovino.

3º. Pessoalmente nunca aplicamos tal substância, durante esse período soubemos e observamos algumas intercorrências orgânicas com sua aplicação. Tais sejam processos irritativos locais com inflamações, edemas e casos de necroses cutâneas e formação de amplos granulomas que fibrozam com o tempo".

Para melhor compreensão das manifestações orgânicas que ocorrem em conseqüência à aplicação do PMMA, relacionaremos abaixo as alterações encontradas com maior freqüência:

a) de efeito imediato

edema (92,0 %)
sinais inflamatórios (36,0 %)
dor moderada (12,0 %)
herpes labial ( 1,0 %)
reações alérgicas ( 0,3 % )

b) de efeito retardado

implante palpável (34,0 %)
sensibilidade à pressão ( 6,0 %)
inflamação persistente ( 4,5 %)
vincos e dobras secundárias ( 3,5 %)
granulomas visíveis ( 3,0 %)
distribuição irregular ( 2,5 %)
tensão desconfortável ( 1,0 %)
reações alérgicas ( 0,5 %)


Dados coletados do trabalho de autoria Gottfried Lemperle, MD e outros, "PMMA Microspheres (artecoll) for Skin and Soft - Tissue Augmentation" Part II: Clinical Investigations - Department of Plastic Surgery, Saint Marcus Hospital September 1995. Vol. 96, nº 3, fls. 629.

A par das alterações acima citadas, estatisticamente diferente da relatada pelo consulente, também podemos ter em menor escala a formação de cicatrizes hipertróficas e necroses teciduais.

Cabe, aqui lembrarmos ainda da denominação "hipersensibilidade do tipo retardado" que é uma forma de resposta mediada por células, em que a célula efetora final é o fagócito-mononuclear (macrófago) ativado. Este tipo de imunidade celular é o mecanismo de defesa primária contra corpos estranhos e bactérias intracelulares. Como resultado dessa reação, ocorre tardiamente (às vezes leva anos) uma inflamação no local com formação de granuloma e a resolução é mediada pelos macrófagos. Isto também ocorre quando o paciente entra em contato pela segunda vez com o antígeno, no caso a substância sintética, estando o organismo sensibilizado, irá se desenvolver a reação de hipersensibilidade retardada.

4º . "A dificuldade no seu emprego é de sua remoção após ser injetado, pois esse polímero adere fortemente aos planos do tecido subcutâneo que, de tal sorte, para a sua retirada é necessário que se façam várias incisões cutâneas para proceder-se a curetagem ampla nos locais de permanência dessa substância, o que leva a um grande sangramento. Os corticóides não possuem a capacidade de quebrar sua cadeia química".

Em casos de complicações pelo uso do polimetilmetacrilato, para a sua retirada, poderíamos ser auxiliados pela injeção intralesional de corticóides, todavia, como já afirmamos, estes não quebram a sua cadeia química. Tal fato é corroborado por vários autores, inclusive pelo próprio consulente.

Em determinadas situações, para a remoção dos granulomas causados pela aplicação do PMMA subcutâneo, recorreu-se a injeção intralesional com triamcinoloma, com resultado pouco satisfatório e de efeito limitado para lesões extensas, e mais, essa substância atualmente não é encontrada em nossas farmácias. Em outras ocasiões foi preconizada a administração de allopurinol via oral durante 24 (vinte e quatro) semanas, com resultado no mínimo questionável. Assim, na maioria dos casos, como conduta final, resta a indicação do procedimento cirúrgico, com incisões cutâneas, para a remoção e granulomas rebeldes a vários tratamentos não invasivos. Essa última solução também é praticada pelo consulente.

Portanto, em resumo, ao nosso ver, a retirada de granulomas de certo volume causados pela infiltração do polimetilmetacrilato ainda representa muitas dificuldades, principalmente pelos danos que podem causar.

5º . "Atualmente temos o nome comercial de Bioplastic no uso desse produto, que é injetado principalmente em sulcos cutâneos da face, aumento das mamas e glúteos."

Sem dúvida, o Bioplastic inicialmente lançado no mercado, portanto original, tem como substância básica de preenchimento o dimetilsiloxano, que nada mais é do que o silicone de consistência líquida ou gelatinosa.

Todavia, tivemos conhecimento que também existia no mercado outro produto de preço bem mais acessível, talvez falsificado, com o nome de Bioplastique ou mesmo Bioplastic, que se dizia conter polimetilmetacrilato ou a associação deste com o dimetilsiloxano. Era preconizada a sua utilização em grandes volumes nas regiões mamárias e glúteas. Tal produto teria sido veiculado e oferecido pela Internet durante algum tempo.

6º. "Casos de maior gravidade com a sua infiltração e que são de nosso conhecimento, podemos citar um ocorrido no Rio de Janeiro, onde uma aplicação junto a região glabelar, levou a paciente à cegueira de um dos olhos, e mais recentemente outro caso no Rio Grande do Sul que introduzido em grande volume na região glútea da paciente, segundo nos informou um colega daquele Estado, ainda encontra-se internada na UTI de hospital, descerebrada, em conseqüências da parada cárdio-respiratória. Estes são os fatos que soubemos terem ocorridos com a utilização do Metacrilato em nosso país".

Complementando os dois casos de lesões gravíssimas constantes no nosso Parecer Consulta 102.963/05, relacionamos agora mais 2 (dois) casos de cegueira unilateral ocorridos também em nosso país, não informados nesse parecer, ocasionados pela injeção do PMMA na região glabelar. A divulgação desses fatos foi veiculada na Revista Brasileira de Oftalmologia - Ano 2002; 61 (6); 454-457.

Senão vejamos:

TÍTULO -

Cegueira unilateral: complicação secundária à injeção de polimetilmetacrilato em procedimento de cirurgia estética - relato de dois casos.

Autores: Dras. Celina Murata e Jaqueline Provenzano e Dr. Mário Genilhu Bonfim Pereira, todos oftalmologistas.

Resumo

Objetivo: Relatar dois casos de obstrução vascular como complicação ocular secundária à injeção facial de um produto exógeno com finalidade estética.
Local: Centro de Estudos e Pesquisas Oculistas Associados, Rio de Janeiro.
Método: Relato de caso.
Resultado: Cegueira unilateral em dois casos de obstrução vascular causada pela injeção do implante de polimetilmetacrilato em região glabelar.
Conclusão: O uso de implantes para correção facial estética requer cuidados especiais para evitar complicações graves.

Do Trabalho (Parcial)

Introdução: O polimetilmetacrilato (PMMA) é utilizado como implante subdérmico para correção de rugas na cirurgia plástica.

Devemos, porém, estar atentos à complicações que podem ocorrer no uso deste implante no pré e no pós-operatório. A obstrução vascular devido à injeção direta do produto na corrente sanguínea ou à compressão secundária do implante sobre o vaso é uma complicação severa e que pode causar cegueira.

Relato dos casos:

Caso 1 - C.L.P., 63 anos, feminino, branca, natural do Rio de Janeiro, amaurose após injeção de PMMA na região glabelar.

Caso 2 - L.P.L., 50 anos feminina branca, natural do Rio de Janeiro foi encaminhada pelo cirurgião plástico ao nosso serviço devido à dor intensa oftalmoplegia ptose em olho direito, após injeção de implante de PMMA em região glabelar direita.

Discussão: A injeção do implante é um procedimento realizado freqüentemente em consultórios e com pobres observações anatômicas, sendo possível ocluir um vaso por compressão ou mesmo injeção do produto dentro do mesmo, causando necrose tecidual.

Devido à ausência de relatos oftalmológicos na literatura e de protocolos de tratamento, optou-se por tratar os dois casos como troboembolismos típicos.

NOSSOS COMENTÁRIOS FINAIS

Desde já podemos constatar que na opinião da oftalmologia o dano ao organismo ocorre não só pela injeção da substância diretamente na luz do vaso, mas também fora do vaso, por compressão extrínsica do mesmo.

Então, mesmo injetando-se o PMMA com as microcânulas rombas, conforme o preconizado por alguns para não penetrar diretamente na luz do vaso (artéria ou veia), não afastamos a possibilidade de o produto comprimi-lo externamente.

Evidentemente, a infiltração de grandes volumes de polimetilmetacrilato nas diferentes regiões do organismo, com o intuito de preenchimento, por maior razão, podem acarretar obstrução vasculares e intensas compressões nas mais variadas estruturas anatômicas do organismo.

Deste modo, poderíamos relatar vários outros casos que aconteceram em outros países e que ocasionaram sérias lesões à saúde dos pacientes.

Ainda a esse respeito, julgamos bastante oportuno transcrever parcialmente Editorial "A lição esquecida", da cirurgia plástica - FMUSP, Vol. 12 - nº 1, dezembro de 2005, Órgão Oficial da Associação dos Ex-Alunos de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da lavra de seu Editor, Prof. Dr. Rolf Gemperli, que assim se expressa:

"A introdução de polímetros sintéticos injetáveis pode levar à complicações significativas, incluindo deformidades definitivas e destruição tecidual, cujo controle é complicado, principalmente pela dificuldade na remoção destes materiais. Estas reações não raras vezes aparecem tardiamente, onde reações histológicas de corpo estranho são identificáveis.

Existem diversas publicações citando complicações graves com o uso de determinados polímetros, tais como cegueira e total oftalmoplegia (Silva, 2004) e casos relatados de necrose com perda parcial ou total de lábio e nariz. Outros referem modificações exageradas da forma das estruturas injetadas, sem possibilidade de volta à forma inicial.

Causa estranheza a forma exagerada como a propaganda imoderada vem apregoando o uso destes polímeros, que resolveria os problemas de forma fácil, com baixo custo, não apresentando complicações, e, no entanto, estamos frente à graves complicações e deformidades, com aparente descaso frente à esta situação.

Estão com certeza exagerando quanto às indicações, quanto ao local e forma de aplicação, bem como à quantidade injetada.

O que causa ainda maior surpresa é a quantidade de colegas utilizando estes produtos, sem o mínimo critério de avaliação e segurança, bem como o absurdo volume injetado em diversas áreas do corpo humano".

Finalmente, acreditamos que com essa nova exposição de motivos e casos relatados por complicações de injeção de PMMA em "anima nobile", devemos ter contribuído com subsídios para que os profissionais médicos, principalmente os atuantes na área da denominada "medicina estética", possam avaliar melhor a sua conduta e responsabilidade perante aos seus pacientes.


Este é o nosso parecer, s.m.j.


Conselheiro Lavínio Nilton Camarim


APROVADO NA 3.464ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 07.04.2006.
HOMOLOGADO NA 3.467ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 11.04.2006.